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A Vingança da Árvore - Eleanor F. Lewis - Dark Alley Traduções

Pelas janelas do salão de Jim Daly, na pequena cidade de C., o sol poente brilhava em manchas amarelas, iluminando os copos espalhados nas mesas e os rostos dos vários homens reunidos perto do balcão. A maioria eram fazendeiros, com uma pitada de comerciantes, enquanto em meio a eles destacava-se o jornalista da vila, e todos discutiam uma notícia surpreendente que se espalhou pela cidade e seus arredores. Walter Stedman, um trabalhador da fazenda de Albert Kelsey, havia agredido e assassinado a filha de seu empregador. Tal notícia se difundiu e espalhou horror generalizado entre os cidadãos.
Um fazendeiro declarou testemunhar o ato enquanto caminhava por uma estrada vizinha e, tendo sido sempre famoso por sua covardia, em vez de correr para ajudar a menina, foi buscar um grupo de mineiros que atravessavam um campo nas proximidades na volta do almoço.
Quando chegaram ao local, no entanto, onde Stedman (como eles deduziram) havia cometido sua atrocidade, apenas a garota jazia, na quietude da morte. O assassino aproveitou a oportunidade para evadir. O grupo vasculhou os bosques da propriedade Kelsey e, quando estavam perto da casa, o vislumbre de Walter Stedman, caminhando de uma maneira estranhamente instável em direção a ela, os fez acelerar o passo.
Logo ele estava sob custódia, apesar de ter alegado sua inocência do crime. Ele disse que acabara de ver o corpo em seu caminho para a estação e que, quando o encontraram, ele estava indo à casa pedir ajuda. Mas todos riram da história dele, e prontamente o jogaram na minúscula e sufocante cela da delegacia da cidade.
Quais provas eles tinham? Walter Stedman, um jovem com cerca de 26 anos, viera da cidade grande para o tranquilo município rural exatamente durante os tempos mais difíceis, em busca de trabalho. A maioria dos homens que viviam na cidade eram honestos e realizavam seu trabalho fielmente, quando encontravam algum. Quando convidaram educadamente Stedman para tomar um drinque com eles, ele se recusou de maneira desdenhosa. “Aquele sujeito infernal da cidade”, ele era chamado, e o ódio e a inveja deles aumentaram fortemente quando Albert Kelsey o empregou em preferência a qualquer um deles. Com o passar do tempo, a história da admiração de Stedman por Margaret Kelsey foi à tona, com a adição de informações de que a filha de seu empregador o repudiava, dizendo que ela não se casaria com um simples peão. Logo Stedman, quando essa notícia chegou aos ouvidos de seu empregador, foi demitido. Então essa foi sua vingança! Para eles, essas provas eram suficientes para considerá-lo culpado.
No entanto, naquela tarde, enquanto Stedman, agachado no chão da cela, perdia as esperanças, sabendo que ninguém acreditaria em sua história e que seu castigo imerecido seria rápido e certo, um vagabundo, ao embarcar em um vagão a vários quilômetros da cidade, fugia do local onde seu crime havia sido cometido e sabia que para sempre sua sombra o seguiria.
Da minúscula janela de sua prisão, Walter Stedman podia ver o brilho vermelho do céu que acolhia o pôr do sol. O sol vermelho de sua vida também estava prestes a se pôr, uma vida que era inocente de todos os crimes, e que agora seria encerrada por um ato que nunca cometera. A mais proeminente de todas as visões que surgiram em sua mente foi a de Margaret Kelsey deitada no chão, como a havia encontrado, os ferimentos causados pelas mãos do assassino ainda frescos. Mas havia outra de natureza mais acalentadora. Por quanto tempo ele e Margaret tentaram manter seu segredo, até Walter ser promovido a uma posição mais alta, para que ele pudesse pedir a mão dela sem medo dos protestos do pai! Então veio a lembrança de uma tarde em que os dois se encontraram nos bosques da propriedade Kelsey — como, no momento em que estavam se despedindo, Walter ouvira passos perto deles e, olhando ao redor, viu um rosto maligno, carrancudo e assassino espiando pela mata. Ele partiu em sua direção, mas o dono do semblante fugiu às pressas.
O povo fofoqueiro da cidade havia interpretado mal esse romance, e quando Albert Kelsey soube dos encontros secretos (pelo mesmo homem que mais tarde apareceria como líder do grupo que prendeu o rapaz) e dispensou Stedman, eles acreditavam que o jovem havia formalizado o pedido e fora rejeitado. Mas a justiça popular estava errada naquela ocasião, como em inúmeras outras antes, e estava prestes a errar novamente. Um homem inocente seria enforcado sem ter direito a um julgamento, enquanto o homem culpado estava livre para vagar por onde quisesse.
Naquela noite de outono, a escuridão veio rapidamente, e apenas as estrelas apareceram e fizeram sua parte para iluminar a região. Um grupo de homens, todos mascarados, liderado por aquele que desde a chegada de Stedman na cidade nutria um ódio secreto pelo jovem, arrastou Stedman para fora da cela e pela cidade, desafiando a todos, até o próprio Deus. Ao longo da estrada e através da encruzilhada da fazenda de Brown eles foram, vigiando implacáveis o prisioneiro que, com os lampiões iluminando seu rosto abatido, caminhava entre eles com lentos passos carregados com a mais completa desesperança.
— Essa árvore parece boa — disse o líder, finalmente, parando e apontando para um carvalho enorme porém ainda jovem. Quando o nó foi ajustado e Stedman subiu na caixa, ele acrescentou:
— Se você tem algo a dizer, é melhor dizer agora.
— Sou inocente, juro por Deus — respondeu o condenado — Eu jamais tiraria a vida de Margaret Kelsey.
— Então prove de alguma maneira — zombou o líder, e quando Stedman manteve o silêncio de seu desespero, ele riu brevemente.
— Homens, preparem-se! — ele ordenou. A caixa foi chutada para o lado, e então contra a escuridão via-se apenas o balançar de um corpo agonizante.
Na frente de todos estava o líder, observando as contorções do corpo com um deleite silencioso.
— Vou lhes contar um segredo, meninos — ele disse de repente — Eu também estava atrás da pobre garota que foi assassinada. Minhas chances eram desgraçadamente pequenas, mas as desse maldito também não eram maiores!
Fez uma pausa, e então disse: 
— Ele partiu desta terra. Derrubem-no com árvore e tudo, meus companheiros, para a fogueira!
— Não adianta, filho. Eu já desisti dessa coisa maldita, é um trabalho impossível. Há algo de estranho nessa árvore. Consegue ver como seus galhos a equilibram? Já cortamos o tronco de ambos os lados quase até atravessar, mas ela não cai. Há várias outras por perto, vamos cortar uma delas. Se eu tivesse uma corda comprida comigo, poderia derrubar a árvore. No entanto, do jeito que está, seria arriscado demais escalá-la. Isso tem obra do diabo, com certeza.
O velho fazendeiro Brown colocou o machado no ombro e partiu em busca de outra árvore, seguido pelo filho, já o restante dos homens ali ficou. Várias vezes serraram e golpearam, golpearam e serraram, mas o alto carvalho branco, com seus galhos projetando-se quase tão regularmente como se feito por uma máquina, permanecia reto e firme.
O fazendeiro Brown, conhecido por seu espírito fraco e covarde, que ao contemplar o assassinato da filha de Albert Kelsey, cego de medo confundira o criminoso, agora provava sua superstição de deixar o carvalho em paz, já que sua forma equilibrada o impedia de cair quando outras árvores teriam há tempos sucumbido. E assim, esta árvore, a mesma na qual um homem inocente havia sido enforcado, foi deixada para outra ocasião.
Era uma noite sombria e chuvosa, daquelas que só ocorrem na região central da Califórnia. O vento uivava como mil demônios e colidia as copas das árvores em abraços ferozes. De vez em quando o tétrico "uuu, uuu!" de uma coruja era ouvido suavemente à distância durante as calmarias da tempestade, enquanto os latidos dos coiotes se chocavam e ecoavam nas colinas, formando sons que mais pareciam risadas diabólicas.
No vento e na chuva, um homem lutava para trilhar seu caminho através do mato até chegar na encruzilhada da fazenda de Brown, o caminho mais curto para casa. De repente, ele parou, tremendo, como se segurado por alguma força invisível. Diante dele estava o carvalho branco, oscilando e balançando na tempestade.
— Por Deus! É a árvore na qual enforquei o Stedman! — ele chorou, e um medo estranho o emocionou.
Seus olhos estavam fixos nela, mantidos por algum fascínio indescritível. Sim, em um dos galhos mais longos, um pequeno pedaço de corda ainda pendia. E então, diante dos assustados olhos do assassino, essa corda pareceu se alongar, formando no final um nó de forca, nó esse que circundava um pescoço roxo, enquanto abaixo dele agonizava e balançava o corpo de um homem!
— Maldito! — ele balbuciou, correndo na direção do corpo pendurado, como se estivesse disposto a ajudar a corda em seu trabalho de estrangulamento — Ele vai me seguir para sempre? Ele mereceu tudo isso, bandido sem coração! Ele tirou a vida dela…
Ele nunca conseguiu terminar a frase. O carvalho branco, elevando-se acima dele com toda sua força, parecia crescer como uma criatura viva e frenética. Houve um som repentino de rachadura, depois um estrondo e, embaixo da árvore caída, estava o assassino de Stedman, esmagado e mutilado.
Entre o tronco quebrado e o toco que restava, uma silhueta cinzenta e opaca surgiu e passou rapidamente pelo cadáver imóvel do homem, em direção à escuridão selvagem da noite.

The Vengeance of a Tree
Eleanor F. Lewis (1904)
Traduzido por Lucas Dias (2020)

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